FRANK LLOYD WRIGHT

O gênio e o monstro

Sucesso, tragédia e escândalo marcaram a vida e a obra de Frank Lloyd Wright, o maior arquiteto americano

Em meados dos anos 30, aos 66 anos, quando seus rivais o consideravam um velho ultrapassado, o arquiteto americano Frank Lloyd Wright conseguiu uma pequena encomenda. Dono de uma cadeia de lojas de departamentos, o empresário Edgar J. Kaufmann chamou-o para projetar uma casa de campo no interior da Pensilvânia. Em meio a um bosque que escondia uma cachoeira paradisíaca, Wright produziu junto com seus assistentes uma planta topográfica com a localização exata de cada rocha e árvore do lugar. Nascia ali a Casa Fallingwater (Cascata), a mais célebre residência modernista do planeta. Com esse projeto, Wright começaria a reverter a opinião negativa de seus críticos. Naquele tempo, com idade suficiente para se aposentar, ele iniciava a fase mais criativa de sua carreira. Hoje, quarenta anos depois de sua morte, não resta a menor dúvida de que Frank Lloyd Wright é o maior arquiteto americano — e um dos maiores de toda a história da arquitetura. Autor de projetos monumentais, criou obras-primas, como o Museu Guggenheim de Nova York, sua casa-estúdio Taliesin, no Estado do Wisconsin, além da própria Fallingwater. Com a arrogância própria dos gênios, ele adorava autopromover-se. Certa vez, ouviu de um amigo o elogio de que ele era um dos melhores arquitetos do país. "Por que apenas um dos melhores? E por que apenas dos Estados Unidos?", respondeu. Outro comentário seu a respeito da mesma coisa: "Desafio qualquer um a apontar um aspecto da arquitetura modernista que não tenha sido criado por mim".
No verão de 1935, porém, a futura Fallingwater parecia condenada a jamais sair do papel. Durante alguns meses após sua visita ao terreno onde a casa deveria ser erguida, Wright simplesmente ignorou o projeto. Meses depois, o cliente ligou querendo ver a planta. Mesmo sem ter feito um único rabisco, o arquiteto não se abalou. "Apareça. Sua casa está pronta", disse, desligando o telefone. Só então Wright decidiu debruçar-se sobre a prancheta. Assistido por uma silenciosa platéia formada por seus alunos e assistentes, trabalhou febrilmente. Durante mais de duas horas, parecia que suas idéias iam sendo desenhadas como num passe de mágica. Mas é certo que ele já vinha pensando naquele projeto havia algum tempo.
"Wright desenhou o 1º andar da casa", lembra seu ex-aluno, o arquiteto Edgar Tafel. "Em seguida, desenhou o 2º e apontou as varandas, dizendo: 'Teremos uma ponte de onde Kaufmann e a esposa, Liliane, sairão dos quartos para fazer um piquenique'." Pouco depois chegou Kaufmann, recebido com entusiasmo por Wright. "Que bom revê-lo, Kaufmann. Estávamos mesmo o aguardando!" Em cada um de seus detalhes, a Fallingwater tinha sido desenhada em menos de três horas. Seu projeto era uma espécie de manifesto da "arquitetura orgânica" de Wright, um estilo que a um só tempo defendia o predomínio da técnica sobre a natureza tanto quanto a comunhão das pessoas com o meio ambiente. Mas, ao projetar a casa, Wright tinha ultrapassado seu próprio limite, impondo-se uma situação de extrema pressão emocional. Isso era algo que ele se infligia desde a juventude — e que voltaria a fazer repetidamente até morrer.
Sucata — Apesar da grandeza da obra de Frank Lloyd Wright, há algo de imperdoável nele. Longa, dramática, trágica e inspirada, sua vida é um paradoxo. Um balanço preciso dessa existência deve levar em conta as encrencas nas quais ele se meteu em todos os lugares por onde andou. Tal como uma escultura, que depois de pronta origina um amontoado de pedregulhos descartados pelo artista, um prédio terminado também deixa muito entulho de sobra. Entretanto, o verdadeiro artista sempre aprecia o que é deixado para trás, talvez como parte do processo criativo. Ao final, a "sucata" fala mais alto. Pois Frank Lloyd Wright deixou uma enorme sujeira a sua volta.
Meryle Secrest, a maior biógrafa de Wright, até hoje se assombra e se deixa seduzir pelas contradições dele. "É impossível olhar para Wright sem se impressionar com a dimensão de seus feitos", diz. "No caso dele, estamos diante de um gênio, alguém raro de ver na vida real. Por outro lado, quando se considera o cidadão Wright, temos alguém à mercê de suas emoções, apenas um ser humano", conclui ela. Os mais chegados — a família, os amigos e os colegas de trabalho — pagaram caro para conviver com ele. Wright padecia de um narcisismo exacerbado. Tinha uma ambição desmedida, além de permanente falta de habilidade para viver de acordo com suas posses. Para começar, abandonou a primeira mulher e os filhos sem o menor escrúpulo. Profissionalmente, faturou de forma indevida o crédito de um projeto feito por seu mentor, Louis Sullivan. Muitas vezes pediu dinheiro emprestado, mas raramente honrou suas dívidas.
"Tive de escolher entre a arrogância honesta e a humildade hipócrita. Fiquei com a arrogância", costumava dizer. Jamais um arquiteto americano experimentou tanta notoriedade. Sua vida foi uma montanha-russa pavimentada pelo sucesso e fama, pelo aviltamento e exílio e, finalmente, pela humilhação pública e tragédia. Ele era controvertido, falastrão e, acima de tudo, imprevisível — um símbolo do exagero numa época de decoro e honradez, justamente quando os Estados Unidos tentavam reerguer-se da Grande Depressão, a maior crise econômica de sua História, nos anos 30. Quem sobreviveu a Wright acredita que ele sempre tentava esquivar-se, voluntariamente ou não, da possibilidade de ter uma vida normal. Do sentimento de privacidade, presente na mais humilde de suas casas, até a grandeza dos espaços públicos, ele sempre tentou chegar a uma manifestação física de suas idéias — idéias que tratam tanto do nosso lugar no mundo quanto da melhor localização para os armários embutidos. É um ideário que pode soar ingênuo, mas que o impulsionou durante 75 anos.
Apaixonada e sinceramente, ele criou de casas arrojadas para a classe média abastada a apartamentos destinados às camadas populares. De cada pessoa que encontrava, Wright exigia que visse suas novidades arquitetônicas. Ele queria que seus interlocutores percebessem como uma casa "funcionava", repensando a função do lar, da família e do automóvel num mundo moderno cada vez mais complicado. Durante seus mais de setenta anos de carreira, Wright também ergueu bancos e escritórios, centros de lazer e igrejas, postos de gasolina, uma sinagoga e até uma cervejaria integrada a um jardim. Ele nunca estava satisfeito. Passou a vida pesquisando o que acreditava ser seu jeito pessoal de construir, buscando um estilo genuinamente americano, independente dos modelos importados da Europa.
O estilo Frank Lloyd Wright é inconfundível e paradoxal, como o próprio arquiteto. Suas casas são ao mesmo tempo monumentais e intimistas. Ao entrar no Guggenheim pela primeira vez, o museu nova-iorquino parece menor do que aparenta de fora, mais pessoal e familiar. Mas, depois de alguns minutos sozinho em sua rampa, o visitante fica maravilhado com a infinita complexidade do prédio, que logo em seguida parece novamente pequeno e previsível. De fato, um prédio de Wright é sempre único. É um convite para pensar a respeito de questões como formas, cores, escadarias, proporções, janelas, quartos, camas e paredes, segundo uma nova perspectiva. E esse prédio jamais sai da memória de quem o conheceu.
Na arquitetura residencial, Wright também revolucionou a definição até então vigente do que seria um lar, eliminando as paredes do 1º andar das casas que ergueu nos subúrbios de Chicago. Para elas, criou espaços que pareciam não ter fronteiras, virando pelo avesso a estrutura de uma típica casa americana. Eliminou ainda os pórticos frontais, ocultando as entradas e construindo jardins privados no fundo do terreno, forçando as famílias que ali viviam a se voltar para si mesmas. Freqüentemente, desenhou a mobília e os artigos de uso doméstico: mesas de jantar com austeras cadeiras de espaldar alto, vasos e candelabros e até mesmo o roupão de banho dos hóspedes.
Escândalo — A vida pessoal de Wright, no entanto, não era nada saudável. Apesar de ter tido uma mãe afetuosa, que não se cansou de mimá-lo e encorajá-lo, ele cresceu traumatizado pelo claudicante casamento dos pais, que acabou em divórcio. Frank Lloyd Wright jamais voltou a falar com o pai, a quem culpava pela separação. Aos 20 anos, quando já era um arquiteto promissor em Chicago, ele parecia determinado a evitar o exemplo de infelicidade dos pais. Em vão. Com a intenção de ser um modelo acabado da gentileza e da respeitabilidade da classe média americana, casou-se com Catherine Tobin, "Kitty", uma bela garota de 18 anos, filha de próspera família sulista. Em alguns anos de casados, eles teriam seis filhos — quatro meninos e duas meninas —, enquanto Wright prosperava construindo nos subúrbios de Chicago.
Mas, pouco antes de completar vinte anos de casamento, Wright se tornou irremediavelmente irritadiço, numa época em que ele e Kitty já viviam cada um de seu lado. Ele odiava até mesmo ser chamado de "papai" pelos filhos. "Tive um sentimento paternal por todos os meus prédios, mas jamais senti isso por nenhum de meus filhos", confessou. Finalmente, em 1909, ele fugiu para a Europa com Mamah Cheney, o grande amor de sua vida. Casada com um amigo e cliente dele, Mamah era sua amante havia vários anos. Kitty e as crianças ficaram péssimas, mas ele não se abalou. "Parti em busca do desconhecido, para testar minha fé na liberdade, como já havia provado minha fé no trabalho", disse ele. Tudo o que Wright deixou para trás, como lembrou seu filho David, foram dívidas. A família inteira sofreu danos emocionais. Kitty passaria o resto de seus dias sonhando com o momento em que Wright voltaria para ela, o que nunca aconteceu. Os amantes fugiram para a Europa, detonando um escândalo público. Vários jornais americanos publicaram editoriais condenando a dupla. Por causa do escarcéu, ao voltar para os Estados Unidos, ele teve de transferir sua base de operações, em Chicago, para o Estado de Wisconsin, sua terra natal, mais ao norte.
No interior do Wisconsin, o vilarejo de Spring Green se aninha em meio às colinas verdejantes. Em 1911, Wright, então com 44 anos, começou a construir a alguns quilômetros da cidadezinha uma casa que se espalhava por uma bela encosta acima do Rio Wisconsin. Junto de Mamah, que já obtivera o divórcio, ele batizou a obra de Taliesin, uma palavra galesa que significa "cume brilhante". A construção seria sua obra-prima pessoal, seu lar e quartel-general por quase meio século. Seus muros e chaminés foram feitos de pedra calcária extraída a poucas milhas dali; as paredes internas e externas, revestidas com uma argamassa feita a partir da areia tirada do leito do Wisconsin. O madeirame da casa tem a mesma cor dos troncos da mata vizinha. "Gostaria de ser parte integrante de meu adorado Wisconsin. Minha casa é parte da montanha sobre a qual se ergue", escreveu Wright. Para ele, Taliesin era a encarnação perfeita de sua "arquitetura orgânica".
Golpe de machado — Wright e Mamah viveram ali por três anos. Ela se dedicava à literatura, enquanto ele lutava para reerguer sua carreira. Para fazer o serviço doméstico, Wright contratou um índio chamado Julian Carlton, que servia como mordomo e caseiro, enquanto a mulher de Carlton cozinhava para os Wright. Um dia, aborrecida com os empregados, Mamah resolveu demiti-los, dando o aviso prévio. A última tarefa dos caseiros seria um almoço de sábado, dia em que Wright estava em Chicago a trabalho. Carlton serviu o almoço, com seu uniforme branco. Pediu e obteve permissão da patroa para limpar alguns tapetes com gasolina antes de partir. Ao sair da casa, porém, em vez de despejar o líquido sobre os tapetes, ele o derramou sobre todas as portas e janelas de Taliesin. Depois de trancá-las, Carlton ateou fogo em tudo. Num segundo, a casa estava em chamas. Quem, em desespero, tentava escapar do incêndio era golpeado na cabeça por ele. Do lado de fora, armado com um machado, Carlton estraçalhou o crânio de Mamah e de um dos filhos do primeiro casamento dela. Das nove pessoas que estavam dentro da casa, sete foram mortas. Em seu luto, Wright impediu que os agentes funerários tocassem no corpo de sua amada. Seu carpinteiro foi encarregado de fazer o caixão. Wright também vetou qualquer espécie de cerimônia convencional. O ataúde de Mamah foi colocado numa carroça coberta com flores. "Preferia estar no lugar dela", limitou-se a dizer, pouco antes do enterro.
Depois da tragédia, o arquiteto encontrou refúgio na reconstrução de Taliesin. Em 1924, Wright conheceria a segunda mulher mais importante de sua vida, Olgivanna Ivanovna Milanoff Hinzenberg, uma dançarina nascida no Leste Europeu. Enquanto embarcava nessa nova paixão, ele se separava de mais uma mulher, Miriam Noel, uma viúva ricaça que tinha caído de amores por ele. Depois do casamento, Miriam, que a princípio o chamava de "o senhor dos meus sonhos despertos", tornou-se uma pessoa violenta, instável e viciada em morfina. Wright rompeu com Miriam — e Olgivanna mudou-se para Taliesin. Logo engravidou, dando a ele mais uma filha, Iovanna Wright.
Olgivanna foi essencial para o sucesso posterior do arquiteto. Em 1932, aos 65 anos, ele mantinha um ritmo intenso de trabalho. Na verdade, seu período mais criativo apenas começara. Seu problema principal, na época, era sobreviver. A crise econômica devastava o país, e poucas empresas se mostravam dispostas a contratar um arquiteto famoso pelo temperamento irascível e por sempre estourar o orçamento de seus projetos. Foi então que Olgivanna sugeriu que Wright lançasse uma escola, atraindo jovens estudantes admiradores de sua obra — gente disposta a pagar 650 dólares ao ano para ficar junto do grande arquiteto. Seria a Comunidade Taliesin. Além de lições teóricas, o currículo incluía quatro horas de trabalho braçal, a ser cumprido nos campos e jardins, no reparo das construções e até mesmo na cozinha. Olgivanna supervisionava tudo, chegando até mesmo a se intrometer na vida sexual dos alunos. A escola incluía também palestras esotéricas de Wright. Ele e Olgivanna eram discípulos do místico greco-armênio George Ivanovitch Gurdjieff, que fazia sucesso entre a intelectualidade postulando que os seres humanos passavam a vida alienados de si próprios e, portanto, sujeitos às leis "naturais".
Depois da construção de Fallingwater, e do êxito da comunidade, Wright começou a receber uma grande leva de encomendas. Em 1936, foi encarregado de construir o Edifício da Ceras Johnson, em Racine, no Wisconsin. Herbert Johnson, o presidente da empresa, queria uma nova sede para a companhia. Nesse trabalho, Wright introduziu duas inovações: 69 quilômetros de tubos de vidro Pyrex para serem usados como clarabóia e colunas esguias sustentando o imenso telhado de vidro. Na conclusão da obra, porém, os fiscais de edificações de Racine insistiram que as colunas de Wright não conseguiriam sustentar o telhado. Insultado, o arquiteto fez uma demonstração pública da exatidão de seu cálculo, provando que elas poderiam suportar uma carga dez vezes mais pesada do que a prevista no projeto. Ele estava certo: o telhado ainda resiste. Mais de sessenta anos depois de sua construção, constantemente utilizada por dezenas de funcionários, a grande sala de trabalho ainda reverbera com o silêncio atemporal que inunda as catedrais. As colunas do prédio, em forma de lírio, são verdadeiras maravilhas do mundo moderno, adquirindo contornos mágicos ao contato com a luz natural filtrada pelo vidro — "uma clareira no meio de um pinheiral", de acordo com Wright.
Bancos e prostitutas — A seguir, ele construiu uma segunda Taliesin no Deserto do Arizona, perto de Phoenix, para onde transferiria a comunidade durante o inverno. Nos vinte anos seguintes, Wright e seus assistentes fizeram mais de 350 projetos, todos provocativos e controversos, com a inconfundível marca de Frank Lloyd Wright. Em 1943, ele obteve seu projeto mais importante: um museu nova-iorquino para abrigar a imensa coleção de obras de arte moderna amealhada pelo rei do cobre, Solomon R. Guggenheim. Era sua primeira grande encomenda em Nova York, cidade que ele passou a vida desdenhando. "É um lugar ideal para bancos e prostitutas. Uma penitenciária para a alma", dizia. Mas era fácil notar que, aos 76 anos, em plena Quinta Avenida, gesticulando com sua bengala, Wright estava feliz ao renegar tudo o que havia dito. Já os artistas e arquitetos não ficaram nada entusiasmados com o projeto do Guggenheim, que teria a forma de uma espiral. Num traçado que o seduzia há anos, o interior do museu se abriria numa rampa contínua. Os visitantes deveriam começar o percurso pelo alto, descendo até o nível do solo. Um de seu críticos o chamou de "Frank Lloyd Wrong", num trocadilho com as palavras inglesas "right" (certo) e "wrong" (errado). Vinte e um renomados artistas da época, incluindo os pintores Willem De Kooning e Robert Motherwell, se opuseram ao traçado, alegando que seria impossível exibir suas obras adequadamente num museu de paredes curvas. Wright se defendeu com mais um auto-elogio, afirmando que os pintores produziriam uma arte mais refinada se suas obras fossem expostas naquele prédio.
Na primavera de 1959, com o Guggenheim quase terminado, Wright estava supervisionando os detalhes finais da ampliação de seu estúdio no Arizona quando começou a se queixar de dores no estômago. Levado para um hospital em Phoenix, foi operado para remover uma obstrução abdominal. A cirurgia correu bem, mas poucos dias mais tarde Wright morreu calmamente enquanto dormia. Tinha 91 anos. Seus discípulos colocaram o caixão num caminhão e dirigiram durante 28 horas até o Wisconsin. Em Taliesin, o corpo foi colocado numa carroça coberta de flores, como no enterro de Mamah Cheney, sendo sepultado a apenas alguns metros dela. Frank Lloyd Wright viveu de forma heróica e conturbada. Legou ao mundo uma obra colossal, o testemunho de um gênio moderno.
Casa Fallingwater (Cascata)


casa-estúdio Taliesin



fonte: revista VEJA.
 
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